sábado, 24 de setembro de 2011

O SILENCIO EM FORMA DE ORAÇÃO

Ele chegou como sombra que se esvai de uma arvore e busca a brisa mais fresca para banhá-lo e dali despistar os raios do sol. Sozinho e contente com os animais que por ali viviam, ele permaneceu naquela floresta por muitos anos e aprendeu a conviver com o barulho da natureza, sendo assim, despiu seu ser e viveu Sombra, alheia a imaginação.
Em um dia diferente de todos os outros,  ele fora acordado pelos novos visinhos. Eles chegaram fazendo tanto barulho com os tantos comentários que, a jovem sombra foi obrigada a mergulhar junto aos sentimentos e idéias que seus vizinhos tacavam ao chão como cinzas de cigarro que eram devorados um atrás do outro.
Enquanto a floresta ia sendo corrompida por aquelas idéias e lugar tomava forma encardida pela poeira levantada, cada brisa agora era fumaça e a confusão sonora era tamanha que ia diluindo as boas tentativas de respostas, que acabavam perdidas tentando se encontrar.
No meio de tudo isso, o jovem decidiu pegar um cipó e ir amarrando todas as idéias. Uma por uma, indagação por indagação, sem deixar que nenhuma pergunta lhe escapasse, ele as foi costurando e dando nós para que estas não escapassem. No fim ele tinha um poema de perguntas e, para que a floresta, que era seu lar, não ficasse mais poluída, ele decidiu ir caminhando e respondendo a cada uma delas para que, assim, tomassem forma de vento sumissem ao mundo. Encarava isso não só como uma reciclagem, mas uma forma de conhecer sombras de lugares e pessoas diferentes, afinal, havia estado por tanto tempo sozinho que mal sabia mais seu nome e do que era sombra.
O primeiro lugar por onde ele escolhera peregrinar foi no fundo do mar, onde conheceu a sombra das ostras. Sombras tão simples, mas ao mesmo tempo pareciam guardar um brilho tamanho por dentro. Ele se deixou convidar por elas para tomarem juntos um chá de boas lembranças.
As ostras começaram contando da primeira vez em que tomaram banho de mar e de como isso foi determinante para elas decidirem que seriam ostras. "Mas o que eram antes?" – a jovem sombra perguntou. Mas estas não souberam responder, ou melhor, responderam: “Não sabemos, sempre estivemos aqui”. "Hum, eu sei como é isso", ele pensou e em seguida lhes contou suas lembranças. Porém, no meio de tantas lembranças boas vieram as ruins e então as ostras o interromperam quando viram que era preciso: “lembro-me de como me incomodou certa vez um grão de areia, tão pequeno mas me causou tanta dor. Mas sabe guri, devo-lhe mostrar um segredo”, e então ela abriu suas cascas e deixou brotar de dentro dela um grão de areia e que, por não ser mais pequeno, brilhava. “Acho que no fundo de toda dor se esconde a oportunidade de se carregar uma pérola”, disse ela, o jovem então sorriu e entendeu que durante a vida só colecionam cicatrizes aqueles que ainda não descobriram o caminho das pérolas.
Cansado de tanto andar, a sombra decidiu adormecer meio as estrelas, e para isso alcançou o reflexo da lua e perguntou se esta podia o levar até o universo. A lua disse que não, mas que não havia nada que ele perguntasse sobre lá que ela não podia conta-lo. Mesmo cansado ele perguntou para ela para onde os cometas vão quando caem.
“Difícil o cometa que realmente sabe para onde vai enquanto esta caindo, a maioria se preocupa mais com amenizar a queda e o tempo no espaço que vão permanecer, e acabam distraídos demais e caem quando menos esperam em lugares desconhecidos até por mim. É sempre difícil, cada cometa uma história, mas há aqueles que se preocupam com onde irão ao cair, acabam muitas vezes alcançando este lugar, alguns até escolhem onde querem cair. O mais importante é que eles entendam que faz parte deles cair um dia, e que seria egoísmo com a natureza se se recusassem a isto; afinal ela tem sua forma de ser eterna.
E repetindo aquelas palavras, o jovem sombra adormeceu e as ondas do mar foram levando-a até o horizonte da onde surge o amanhecer. Enquanto era noite, e toda a constelação dançava no céu, a jovem se engrandeceu com seus sonhos e com as poucas perguntas que ainda haviam lhe restado. Percebera que algumas duvidas acabam dissolvendo-se quando se conhece as coisas realmente importantes da vida. “Mas, o homem não nos permite alcançar esta sabedoria, e passamos a vida crescendo em torno de nada, sem saber quem somos, e as pérolas passam a ser compradas…”
O moço vestido de sombra acordará com o barulho do brilho do horizonte. Era como se o azul transbordasse o céu e fosse se espalhando pelo mundo: a sabedoria de ser uma manhã de sol, quem nunca havia pensado nisto? E se fosse diferente e o Criador nos tivesse dito: “Faz o seguinte desçam e construam o céu, quando terminarem me avise e eu lhes darei a vida eterna.” Por quanto tempo mais ficaríamos aqui? E então o jovem se viu criança responsável com um balde de areia, uma pá em sua mão, mas nenhuma pérola; e no meio de tantas perguntas ele estendeu o braço e pediu para que o horizonte respondesse seus questionamentos.
Porém, este apenas o soprara forte, mandando-o de volta a sua floresta. No meio deste forte sopro o rapaz   abraçou forte sua penumbra, para que esta não fugisse, e então lembrara não mais como fora chegar a floresta, mas de como era estar nela; e sem se importar para onde iria, e com mais nenhuma pergunta, a não ser as mesmas, ele percebeu-se vivo numa pequena catedral chamada mundo.
Dizem que dias depois de sua chegada, e ainda atormentado pelos novos moradores da floresta, usou o mesmo cipó para amarrar os vizinhos baderneiros, e os arrastou bravamente até a praia e, lá, lançou-os ao mar enquanto gritava de um moinho de pedras: “procurem as ostras, depois o reflexo do luar. Quando terminarem, se engrandeçam com seus sonhos e deixem que as ondas do mar os levem até o horizonte e depois, num forte sopro, voltem para onde sempre estiveram, mas nunca se deixaram admirar. O silencio pode ser uma forma de oração”.

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